A pesquisa gerada na academia é, indiscutivelmente, um instrumento essencial para a consolidação e concepção de conhecimentos que, não poucas vezes, consegue entregar valores importantes para a humanidade, para as nossas vidas. Cabe lembrar ainda o emprego de métodos científicos consagrados e o rigor geral que permeia as pesquisas universitárias, demonstrando assim a preocupação histórica dos pesquisadores em oferecer resultados validados e confiáveis.

Falando agora do empreendedorismo, do empreendedor e da inovação, o professor americano pioneiro em gerar pesquisas sobre o empreendedorismo, Timmons (1990), afirmou há mais de 30 anos que “o empreendedorismo é uma revolução silenciosa, que será para o século XXI mais do que foi a revolução industrial para o século XX”, e ele acertou. Vimos principalmente nas últimas duas décadas e estamos vivenciando fortemente nos últimos anos, os impactos da chamada economia digital, que tem na sua base, entre outros fatores, as chamadas empresas exponenciais, as startups. E ao falarmos das startups, quase que automaticamente começamos a tratar também de um outro fator igualmente impactante, transformador e necessário para todos nós, que é a inovação.

O reconhecido pesquisador do tema empreendedorismo e do universo das pequenas empresas, o canadense Jacques Filion (FILION, 1999), cita que “[...] o empreendedor é alguém que imagina, desenvolve e realiza visões”. E na sequência deste seu conceito, que na minha visão é a mais completa, abrangente e objetiva definição sobre quem é o empreendedor, me lembro também e trago aqui para fechar esta parte da nossa reflexão, a citação do grande Guru da administração do século passado, o austríaco Peter Drucker (1986), quando este observa que “o empreendedorismo adota a inovação como parte essencial da rotina, a norma, a base para segurança de todo empreendimento, todos envolvidos no esforço da inovação”.

Tive claramente, através do conteúdo dos dois últimos parágrafos, a intenção de fazer um brevíssimo embasamento para nos lembrar do que já sabemos bem, que é sobre a importância do surgimento constante de novos empreendedores, de empresas nascentes (salientando aqui as startups) e da geração de inovações.

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E a partir deste contexto, que tem a academia com sua fundamental dinâmica de produção acadêmica e o empreendedorismo com suas contribuições cada vez mais percebidas como também fundamentais, é que reside a nossa questão de reflexão, já que convencionou-se afirmar que “inovações são realizadas nas empresas e pesquisas são realizadas na academia”. A questão é que nesta frase está claramente entendida a afirmação que a inovação é gerada exclusivamente pelas empresas, afirmando, por tabela, que a academia não gera inovações; e é nesta última parte desta constatação que intenciono focar a nossa reflexão.

Está muito claro e eu nem de longe ousaria contrariar o fato de que é a empresa que possui a expertise de produtizar a inovação (criar um produto que será produzido em larga escala, com custos competitivos e promovê-lo com eficiência no mercado) e que esta é uma parte fundamental (complexa e que custa caro) dentro do processo de geração de inovações. E esta importante parte do processo de inovação, que de fato disponibiliza a inovação no mercado para que todos nós possamos usufruir dela, tem sua origem nos empreendedores (neste caso os empresários) e nas empresas inovadoras (ressaltando aqui as startups), ou seja, as inovações são oriundas de empresas que foram criadas e são geridas normalmente por empreendedores.

Devemos afirmar ainda que uma parte das universidades, por vários motivos, de fato ainda não atuam com contribuições diretas no processo de geração de inovações, que vão além de suas pesquisas, em que pese a importância da pesquisa no processo de geração da inovação. O fato é que a academia reúne condições e ambiência instalada para ir além neste processo e algumas universidades já têm feito isto com eficiência há algum tempo.

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Para não ficarmos sem um exemplo, já que tenho o privilégio de poder relatar a história de quase duas centenas de empreendedores que se desenvolveram enquanto estudantes de graduação no Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel), pois os acompanhei praticamente desde o momento em que se despertaram para o mundo do empreendedorismo, contarei aqui resumidamente a história da Tayla.

Entendo que sua história pode nos ajudar a enxergar como a academia pode dar contribuições contundentes para o processo de inovação, que se somarão a geração de pesquisas, e como a ambiência e a infraestrutura da universidade podem ser melhores aproveitadas a partir desta intencionalidade.

Ainda do 5º período de engenharia de telecomunicações, no ano de 2015, apesar de já estar recebendo insights sobre empreendedorismo em seu processo de formação acadêmica, Tayla ainda não tinha alinhado seu sonho à possibilidade de empreender. No entanto neste período, aproveitando o programa de intercâmbio estudantil da Instituição que mantém convênios ativos com várias universidades internacionais, ela fez parte de seus estudos na Alemanha, na universidade Jade University of Applied Sciencesna, o que inclusive lhe outorgou dupla diplomação, da Jade e do próprio Inatel, tendo se formado em ambas.

E enquanto lá esteve, ao participar de algumas grandes festas dirigidas ao público jovem em seus momentos de lazer, chamou-lhe muito a atenção o alto nível de organização destes eventos, que eram para milhares de pessoas, contudo ofereciam uma experiência muito positiva aos participantes, principalmente pela organização. Rapidamente ela percebeu que boa parte desta organização era proporcionada pelo uso de soluções tecnológicas. Solução que envolvia o uso de pulseiras com tecnologia RFID para identificação dos participantes nas portarias e também para ser carregada com dinheiro para os consumos dentro do evento. Isto começou a despertá-la para a hipótese de estar diante da oportunidade de desenvolver uma solução tecnológica correspondente que poderia vir a ser uma inovação no Brasil. O que de fato viria a ser a partir de incrementos tecnológicos inovadores que melhor atenderiam o mercado nacional.

Após concluir seus estudos na Alemanha e retornar ao Brasil para concluir seu curso no Inatel, com o intuito de conhecer mais sobre àquela tecnologia (RFID), ela rapidamente identificou que o programa de iniciação científica (IC) da instituição seria um bom caminho para se aprofundar nos conhecimentos desta tecnologia e ela imediatamente ingressou no programa. Se integrou a um grupo de estudos sobre RFID e foi até o fim daquele projeto de pesquisa, o que de fato lhe conferiu muito conhecimento sobre a tecnologia.

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Ainda neste período, quando a possibilidade de transformar aquela oportunidade em negócio já tomava novas proporções na sua vida, ela novamente identificou e aproveitou de mais um programa acadêmico da instituição que foi a Feira Tecnológica do Inatel (FETIN), que naquele momento já era realizada há quase 40 anos, atraindo milhares de visitantes a cada edição para conhecer os projetos tecnológicos dos alunos. Tayla aproveitou a feira daquele ano como aluna, para fazer as primeiras validações da sua solução com o mercado. E para reforçar esta validação, ela convidou para conhecer o seu o primeiro “mínimo produto viável (MVP)”, empresários de um consagrado evento regional que reúne mais de 20 mil pessoas todos os anos. O retorno daqueles empresários foi muito positivo ao ponto de ocorrer um convite da parte deles, que foi um grande desafio e uma grande oportunidade para ela, para que aquele protótipo fosse aplicado/utilizado no próximo evento deles, que já ocorreria alguns meses depois.

Para não prolongarmos mais esta história que é mais longa e realmente mais interessante do que eu consegui até aqui relatar, Tayla, na companhia de mais um sócio empreendedor, também ex-aluno do Inatel, utilizou ainda de mais um programa acadêmico da Instituição, agora para estruturar e iniciar sua empresa, que foi o Programa de Incubação de Startups do Inatel.

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A NOWIGO iniciou na Incubadora do Inatel em 2017, se desenvolveu no mercado oferecendo uma solução completa que foi para muito além da pulseira com RFID, cresceu e se graduou com sucesso da Incubadora em 2019. Pouco tempo depois alguns Fundos de Investimentos já estavam negociando aportes muito interessantes na empresa. Foi quando foi quando nos sobreveio a pandemia, como o foco da empresa eram eventos de médio e grande porte, o negócio precisou entrar em stand-by. Tayla se ressente desta paralização abrupta?, absolutamente não, entende como mais um processo de aprendizado que, com certeza, lhe será útil daqui a pouco. E eu, aprendo muito mais sobre quem sãos os empreendedores, ao vivenciar como funciona a forma de encarar as coisas pela perspectiva desta empreendedora. Neste momento de stand-by da empresa, para o privilégio de todos nós, ela está integrando, como profissional especialista, o time do Núcleo de Empreendedorismo do Inatel (NEmp), canalizando toda a sua experiência em prol do desenvolvimento das várias startups e seus empreendedores que neste momento estão no processo de incubação da Instituição, passando pelos momentos inusitados que ela passou há pouco tempo. Como relata o professor Fernando Dolabela [...] “o empreendedor aprende em um clima de emoção e é capaz de assimilar e experiência de terceiros”. (DOLABELA, 1999: 31).

Como creio ter ficado claro, a nossa tentativa com esta reflexão, que passa pelo relato de uma breve história real, é a de apresentar fatos que nos levem a acreditar que a academia pode sim gerar empreendedores, empreendimentos e inovações e já o está fazendo.

Prof. MSc. Rogério Abranches da Silva
Prof. MSc. Rogério Abranches da SilvaCoordenador do Núcleo de Empreendedorismo e Inovação do Inatel (NEmp) e do Programa Inatel Startups. É Administrador de Empresas, Mestre em Educação com ênfase em Educação Empreendedora e já participou da criação e desenvolvimento de mais de 60 empresas de base tecnológica.